Mediunidade na Infância Parte I

O olhar de uma criança para as imagens, as cores, as manifestações e toda liturgia
religiosa dentro do terreiro é captada por este sentido que quase sempre está atento.

Por Samuel Correiah

Saúdo á todos os amigos e leitores da Umbanda Raiz EAD com o meu fraterno saravá e antes de entrarmos nesse universo complexo e interessante que é a infância, quero explicar a razão pela qual decidi
dividir este artigo em três partes.

Primeiro: Assimilar informações sobre o mundo da criança não é tão simples quanto parece, mas também não é difícil, basta organizar a forma de como compreendê-lo.

Segundo: Mediunidade é um assunto bem extenso e na infância ainda não foi bem disseminado, principalmente dentro da umbanda, pois, ainda observamos muitos tabus.

Terceiro: Nem a criança, nem a mediunidade devem ser vistos como: sensacionais, excepcionais ou anomalia, muito pelo contrário, o desenvolvimento do ser humano é parte da vida e suas fases: infância, adolescência, adulta e melhor idade.

“Nessa primeira parte vamos compreender um pouco mais sobre a infância para ficarmos por dentro de como a criança desenvolve em sua mente um rito religioso.”

A Infância

Este é o período onde o ser humano começa a desenvolver suas habilidades psíquicas, motoras, a fala, entre outras, para assim aprender a lidar com a vida.
Antes do século XV não havia uma concepção bem definida sobre a infância, que foi negligenciada, causando sérios transtornos que foram refletidos por toda uma existência para alguns.

Questões como: o papel dos pais, necessidades físicas e o desenvolvimento emocional, não eram acompanhados de perto com a consciência de tudo o que uma criança necessita.
Hoje especialistas já trazem uma vasta gama de atividades e entendimentos sobre o que realmente é a infância, logo, a criança em boa parte da população mundial é tratada como um ser infantil, claro que os abusos não cessaram, mas, órgãos responsáveis buscam sanar na
medida do possível não somente os abusos contra a criança como também levar esclarecimento
para a sociedade.

Os estágios da infância

Dê 0 a 18 meses: É a fase da dependência onde o bebê depende de seus pais para a alimentação, higiene e já recebe os primeiros estímulos sobre o seu mundo interno e externo através da amamentação, dos sons e das cores.

Dos 18 meses aos 3 anos: A criança já conquista algumas independências como: formar frases, se alimentar sem necessariamente precisar de ajuda, interagir reproduzindo parte do conteúdo assimilado no seu contexto de convívio, gravar parte de alguns acontecimentos emblemáticos.

Dos 3 aos 4 anos: O contato com outras crianças na escola leva o indivíduo á explorar sensações, amplia a sua percepção corporal e a sua consciência a nível de ser que integra um sistema, então, ela passa para um novo estágio de entendimento sobre o que é estar no mundo.

Dos 5 aos 9 anos: A criança começa á desenvolver em si os seus próprios valores e começa a construir suas opiniões, dando assim um start mais contextualizado para sua autoestima e para o mundo á sua volta.

Dos 10 aos 12 anos: É o período da pré-adolescência, porém este período pode e deve ser enxergado como a última fase da infância e nele não só o processo de desenvolvimento físico acontece, mas, também muitas mudanças psicológicas e hormonais na puberdade.

Tendo contextualizado de forma resumida as fases da infância, que tal pensarmos sobre as percepções físicas e espirituais através da cabeça de uma criança?

Fica claro que a cada fase da infância, a criança tem uma forma de enxergar, sentir e interagir?

Fica claro que muita coisa que a criança aprende é através do exemplo ou do parâmetro?

Pois bem, entendendo essas questões, logo temos ainda mais motivos para falarmos sobre a mediunidade na infância e são eles:

– Quando uma mediunidade aflora na infância, mas, a criança não está inserida em nenhum contexto religioso dentro de casa, na escola ou no contato com os amigos.

– Quando a criança sente cheiro, enxerga ou escuta coisas que não fazem parte do seu repertório diário e em alguns casos podem até prever certos acontecimentos.

Mediunidade não se resume em incorporação e quando fica claro ao nosso entendimento de que ela é uma percepção que capta realidades extrafísicas e interage com uma dimensão paralela, logo, podemos ampliar a nossa forma de compreendê-la.

Na infância, algumas percepções podem ganhar conotações fantasiosas dependendo do conteúdo que é absorvido por cada indivíduo e cabe ressaltar que cada pessoa tem o seu próprio ritmo para desenvolver-se desde o seu nascimento, afinal, somos diferentes apesar das afinidades e compatibilidades de gênios, mesmo pertencendo á mesma espécie.

Dentro dos terreiros de umbanda por onde tivemos a feliz experiência de presenciar e mapear a espiritualidade sendo assimilada pelas crianças, observamos atentamente que o processo se dá de forma natural e abrange os seus cinco sentidos básicos (VATOP).

Visão: O olhar de uma criança para as imagens, as cores, as manifestações e toda liturgia religiosa dentro do terreiro é captada por este sentido que quase sempre está atento.

Audição: Os fundamentos cantados através dos pontos, a vibração dos atabaques que produz sentimentos, pensamentos e emoções, desperta na criança um estado de integração com o ambiente.

Tato: Através da interação social, litúrgica, de um abraço ou um passe, a criança vence o medo do desconhecido.

Olfato: As memorias olfativas proporcionadas através da defumação formam cenas na mente da criança que futuramente irá utilizar essas memórias especificas em seu contexto de vida.

Paladar: Seja no caruru de Cosme e Damião ou em um simples acaçá, a comunhão ritualística onde a criança está inserida e participa ativamente, marca e muito a sua infância de forma benéfica, transmitindo o real valor da fraternidade e do amor ao próximo.

Claro que cada criança tem a sua própria forma de assimilar e aprender como já citamos nas linhas anteriores, mas de um modo geral, ela não enxerga a mediunidade como um fardo, pois o seu sistema de crenças não foi bloqueado por dogmas.

Qual seria a dificuldade na comunicação entre uma criança e um caboclo, já que os caboclos entendem até os adultos, que em sua grande parte, buscam complicar a vida?

Se proibirmos as crianças de sentir, automaticamente estamos bloqueando habilidades latentes de um indivíduo em potencial.

Qual é o problema de uma criança sentir a radiação de um guia, um mentor ou um orixá? Será que este problema realmente existe? De onde vem essa censura?

A criança é um ser social em desenvolvimento, uma semente que dará frutos no futuro e tudo o que ela precisa é ser acompanhada dentro dos seus processos individuais para que possa saber mais sobre si, saber de onde veio e decidir para onde quer ir.

A umbanda é uma religião magistica por excelência, que não deve de maneira alguma negar os seus rituais ou fundamentos, muito menos se encaixar dentro daquilo que satisfaz a hipocrisia social.

O umbandista deve se assumir como tal, pois professar a sua fé não deteriora ou denigre a fé do outro, aquele que dá respeito, também deve e merece receber o devido respeito, por isso é importante congregar com a família, pois logo, sendo uma instituição que forma opinião e um contexto social, o umbandista deve refletir um movimento religioso lúcido, que espelha fé, amor e caridade.

Uma das funções da religião é religar ao sagrado, e a umbanda como religião que é, pode e deve enxergada como um bem maior para a sociedade, para a família e para a humanidade.

Então, para essa primeira parte, onde deixamos as portas abertas para que o leitor reflita sobre o mundo da criança, a umbanda e a mediunidade, também deixamos os sinceros votos de aproveitamento deste conteúdo para que seja inserido dentro dos terreiros e do contexto do adulto umbandista, onde através da autorreflexão ele possa diluir velhas crenças, preconceitos e mitos com relação á criança inserida dentro da religião.

Aguardo ansiosamente o nosso encontro na próxima edição para juntos refletirmos e levarmos ao mundo inteiro, junto com as nossas crianças, a bandeira de oxalá.

Axé.

 

 

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